terça-feira, 26 de abril de 2011

OLHOS NOS OLHOS

OLHOS NOS OLHOS

Resenha curta do filme “Olhos Azuis”, de José Joffily
                A Sociologia é a ciência do olhar. Através dos olhares, das visões ideológicas, das diferentes versões da realidade, os sociólogos reconstroem as teias que constituem a realidade. No entrechoque dos olhares entre o Norte desenvolvido, decadente e intolerante e um Sul Latino e demasiadamente sedento de capitalismo, David Rasche e Irandhir Santos, dois atores em grande fase nas suas carreiras locais, encarnam um grande conflito globalizado.
                A ideia para o filme, o diretor José Joffily tirou do filme homônimo que apresentou ao mundo a oficina criativa da professora Jane Elliot que habilmente colocava os brancos dominantes na condição de minoria segregada. Somando a inspiração com os depoimentos de um amigo sobre a experiência dos “subhomens” latinos nas alfândegas norte-americanas, o diretor paulista, acrescentou tensão e dinamismo.
                O resultado é um filme que prende a atenção dos espectadores e confronta as desculpas para o tratamento xenofóbico. As políticas migratórias do Norte desenvolvido nega a contribuição da mão-de-obra migrante sobre as contas previdenciárias dos velhos continentes de preconceito. Um jovem tunisiano foge de suas guerras civis, entra para o exército de trabalhadores ilegais, formaliza sua condição em alguns anos e consegue ingressar no mercado formal. Durante boa parte da sua vida vai ajudar a economia estagnada a preservar o estado de bem-estar social dos europeus e americanos  legítimos.
                Os bons funcionários da alfândega, policiais e burocratas, entretanto, desfilam preconceitos de conteúdo duvidoso e suspeito. Quem garante a segurança da fronteira é o especialista em estereótipos que marca como num rebanho, as reses que serão abatidas, as que serão agraciadas com a entrada no paraíso e as que serão enxotadas de volta para seus infernos em desenvolvimento.
                O filme é uma inquietante reflexão sobre a descolonização do mundo, a desconstrução de uma pretensa superioridade cultural, racial e étnica que se dissolve na baixa qualidade da classe média dos países tradicionais. A sustentação dos discursos perde sua eficácia quando uma parte do mundo superior está morrendo e os ditos subdesenvolvidos não param de crescer e perder sua identidade de minoria para se transformarem em eleitorados incômodos.
                Olhando no olho do preconceito, enxergando um espelho quebrado, encontramos uma economia mundial sendo aniquilada pelos monopólios e pelo pior tipo de intolerância. As economias decadentes estão se encarregando pela fome, pelo desemprego e pelas ditaduras, de exterminar os muito pobres e deixar a mão-de-obra cada vez mais livre para morrer onde quiser. Olhos azuis e castanhos se misturam e perdem sua luz numa periferia qualquer dos primeiros mundos.
LUIZ CLAUDIO DE ARAUJO PINHO
PROFESSOR DE SOCIOLOGIA
COLÉGIO PITÁGORAS